Crônicas de um Marine

 

'...e em meio a neblina eu tragava aquele charuto...'

 

Tinha me arrumado como de costume, vestido meu uniforme após meu café da manhã com ovos, bacon e suco de laranja, depois acendi e traguei vagarosamente meu charuto, logo vesti minha boina militar e comecei a observar calmamente à fumaça no ar, eu estava indo para o quartel absorto em meus pensamentos, em como eu havia chegado ao exército e até onde isso me levaria, ainda mais por estar em meio a uma guerra que parecia não haver fim e muito menos um lado vencedor.

Adentrei pelas portas de vidro em direção ao aparelho identificador de retinas e voz, e como era meu hábito, falava alto e forte ‘Rock and Roll’, e de praxe dava aquela sorriso vencedor, ao caminhar entre os corredores sentia uma pressão, um ar um pouco mais pesado e uma movimentação fora do comum, acendi outro charuto e fui direto a minha sala, as cadeiras estofadas, a mesa polida, um quadro de minha primeira turma, um ambiente tão familiar que me confortava mais que minha própria casa, onde havia passado aniversários, festas comemorativas, e na grande maioria das vezes a trabalho, porém alguma nostalgia dentro de mim imperava, e me deixava ansioso sem saber o por que.

O calor estava a ponto de ser insuportável mesmo com os ventiladores ligados, mas por sorte ainda havia uma coca no frigobar que abri e tomei em um grande gole até que uma batida na porta me tirou de dentro dos meus pensamentos.

– Tenente! O general te aguarda em sua sala! – disse o jovem cadete de forma esbaforida.

– Sem problemas, estou a caminho. Respondi enquanto acendia mais um de meus inseparáveis amigos. Vício esse que adquiri há cinco anos durante minha primeira jornada na guerra, quando era apenas um alferes de patente baixa. Tinha sido convocado a uma missão auxiliar de interceptação junto com o tenente-general e mais alguns outros soldados. Nossa missão era permanecer em vigília no ponto médio entre as forças inimigas e uma de nossas bases, já que um ataque aos nossos suprimentos era questão apenas de tempo. Já estávamos com nossas devidas armaduras e capacetes além de munidos de metralhadoras e lança-chamas, e devido à urgência da missão não houve tempo de trazer médicas juntos, éramos num total de oito e nos escondíamos atrás de uma passarela onde o fluxo era usualmente intenso.

 Cárter o nosso tenente já era experiente e havia comandado outras missões bem sucedidas anteriormente, apesar de seus 34 anos ele já tinha uma aparência mais velha e tinha como característica principal, nunca largar seu charuto. A ordem recebida era de se manter escondidos a espera do inimigo, e por hipótese alguma dar sinal de nossa presença. Era noite e horas a fio se passaram sem nenhum tipo de movimentação, e claro eu estava nervoso por ser minha primeira missão importante, e ainda mais com um tenente ao lado, sem contar obviamente o medo daquelas criaturas sanguinárias que eu ainda não havia encontrado cara a cara.

O frio rangia em nossas armaduras, o vento parecia deturpar a visão e a ansiedade não era inimiga, tão pouco amiga, por sorte as chuvas não tinham surgido ainda, e o charuto do Carter não apagava, cheguei a pensar que nem embaixo d’água aquilo cessaria, e naquele exato momento em que admirava tal pensamento, ele repentinamente jogou seu precioso charuto no chão, pisou para apagar o que restava dele, fechou seu capacete e disse ‘ Garotas, agora é a hora do Rock!’.

 Em meus vinte e dois anos nunca havia sentido tanto nervosismo quanto naquele momento, fechei meu capacete também e apertava fortemente minha arma, olhando rapidamente de um lado para o outro procurando por algo. Nosso tenente passou a ordem naquele instante; ‘ Não fiquem aglomerados, fiquem em linha para facilitar nossa defesa e assim o ataque, e de forma alguma saiam de linha até que eu diga o contrário, entendido garotas?’ – Sim senhor! – respondemos eufóricos pela nossa primeira batalha. Uma sombra foi vista entre a neblina, vindo em nossa direção, logo entramos em linha de combate com o comando de nosso destemido chefe, que sorria diabolicamente enquanto acendia mais um de seus charutos.

Aquela sombra vinha na forma de um cachorro enorme, cor vermelha e com garras gigantes, suas patas e pernas pareciam ter as quantidades certas de músculos para atacar incessantemente, enquanto que seu corpo parecia ter se adaptado para levar danos sem muitas conseqüências, porém ele era apenas um contra oito de nós; ela vinha cada vez mais veloz e já havia notado nossa presença, porém a distância ainda era grande para que algum tiro pudesse acertá-lo. Nossa formação continuava impecável e estávamos nos sentindo superiores por ter que cuidar de apenas um alienígena pequeno com um grupo tão proporcionalmente maior por mais terrível que sua aparência fosse; ele já estava chegando, correndo em direção a um de nós, quando demos início aos tiros, e foi sanguinário, eu atirava com gosto, com tesão, metralhando incansavelmente aquela criatura, vendo seu sangue jorrar, enquanto em delírio eu gargalhava com toda aquela situação, tinha sido a missão mais fácil de minha carreira militar até agora, e ainda por cima ganharia pontos para a próxima patente, ‘ aaaaaaaaaah’ eu não parava e muito menos meus companheiros, até que aquela coisa se espatifou em uma poça de seu próprio sangue. Aliviamos-nos, havíamos matado um dos invasores e nos cumprimentávamos, quando Carter gritou para que voltássemos às posições; nossos sorrisos desaparecem quando avistamos duas criaturas maiores aproximando-se rapidamente de nós pelo nosso flanco, pareciam aranhas cheias de espinhos e negras como a noite, não havíamos percebido-as tanto pela camuflagem, quanto pela distração do alienígena morto, mas não houve tempo. Antes de conseguir entrar em formação novamente elas cavaram em direção a terra, e nesse exato momento Cárter apertou sua descarga de adrenalina junto com a minha, já que eu estava ao seu lado, àquela sensação de poder supremo adentrou em mim, eu me sentia mais poderoso, rápido e raivoso. Comecei a atirar freneticamente enquanto gritava de raiva, prazer e medo ao mesmo tempo, quando espinhos vindos do chão nos pegaram desprevenidos, três de nossos soldados que estavam juntos foram acertados pelos dois ao mesmo tempo e os destruíram em pedaços, sangue e mais sangue, corríamos tentando cercá-los, sem nos agruparmos, para dificultar a ação de seus golpes, mais uma saraivada de tiros contra eles, e mais uma corrida em círculos, quando outro ataque veio e acertou mais dois de nossos companheiros que também mutilados morreram na hora, o pavor era enorme, o medo já me consumia por dentro, eles ainda estavam vivos e éramos apenas três, mas Cárter continuava fumando, gritando e atirando, isso me motivou a continuar a correr e permanecer atirando, meu jubilo mostrou-se maior quando acertei vários tiros em seguida dentro do buraco e fiz sangue jogar daquela merda, matando um daqueles filhos da puta que nos chacinavam, parecia haver uma possibilidade de vitória, e sem querer no meio do descontrole, da euforia, perdi o foco e nós três nos vimos perto um dos outros, mas já era tarde, estava vindo mais um ataque, e meus dois colegas continuaram a disparar sem parar contra aquela coisa, não consegui pensar muito, empurrei Cárter que estava mais próximo de mim, e o ataque pegou em cheio meu outro companheiro, matando-o e ainda por cima ferindo a perna de meu comandante, agora era só eu e aquele monstro, continuei atirando, Cárter também, mesmo do chão ele tentava acertar dentro do buraco, mas sem muito êxito. O medo estava tomando conta totalmente de mim e comecei a pensar em fugir, e neste exato momento injetei mais adrenalina dentro de mim, gritava grotescamente, as sensações não cabiam mais dentro de mim, e o pavor tinha se tornado prazer, fui de encontro ao buraco e atirei sem parar, sangue se encontrava na minha armadura, e enquanto eu gritava para aquela bosta morrer, eu arrancava seus membros e com tiros certeiros e poderosos até que o matei.

Após matá-los, corri até Cárter que sorria e fumava, com uma das pernas sangrando, ele sobreviveria com certeza, e naquela onda de vitória ele me ofereceu um trago, o qual aceitei, e em meio a neblina eu tragava aquele charuto saboreando uma vitória parcial, meu primeiro charuto enquanto aguardava os reforços que nos levariam de volta para casa.

 

Continua…

~ by pedrostyle on March 27, 2010.

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